06 dezembro 2016

O peso do mundo



Lembro-me de uma cena na minha adolescência onde, caminhando pela cidade, vi um pedacinho de um clips quebrado na calçada. Peguei aquele filete de arame e, emocionada, guardei no bolso; “um pedacinho de insignificância”, pensei. Nessa época eu achava que o mundo pesava sobre os meus sentidos, e minha reação imatura era de temor e tristeza. Via a minha sensibilidade às coisas, tais restinhos clips e afins, como uma espécie de maldição.

É difícil organizar os pensamentos quando os sentimentos são tão aflorados e se expressam de maneiras abstratas como poemas, melodias ou cores. “Hoje estou meio bordô, ou tulipa ou anil”. Essas frases fazem muito sentindo pra mim, mas não dizem muita coisa para a maioria das pessoas com as quais convivo. As pessoas querem gifs com rostinhos legendados, nós procuramos os tons de cinza justamente porque não são nem branco, nem preto, mas tem a mesma profundidade que o som de uma vogal. Viver é difícil pra todo mundo.

Aquele pedacinho de clips me lembrava de mim mesma, temporalmente, um fragmento ínfimo diante do inicio, meio e fim da historia. O cosmos girando e eu andando pela cidade. Pedacinhos de mim em rabiscos de cantos de cadernos e músicas feitas em casa.

Vivendo, chego à ingênua conclusão de que todo mundo no mundo tem algum tino artístico aflorando em alguma área da vida, claro em diferentes graus. Afinal, o mundo pesa sobre todos. Embora nem todos venham a constatar que num pequeno gramado de vinte metros quadrados há tantos tons de verde que não cabe no kit de lápis aquareláveis, todo mundo em algum momento vai sim se encantar com a beleza, com a virtude, com o mistério. Encantar-se com tais coisas é ser gente.

O peso do mundo vivenciado por mim se traduz muitas vezes em arte; música, desenho, texto, basicamente o que estiver mais perto do meu coração naquele instante. Sinto como se o mundo respirasse, seu sopro passa pelas moléculas do meu corpo, mas elas não suportam conter, por isso logo encontram uma forma de externar. Sinto como se o encanto seja inevitável, assim como o pavor; os dois andam juntos. Sinto-me parte de algo maior, embora me sinta apenas um grão, uma semente debaixo da terra que sabe que há de cortar a superfície e que há muito ainda por experimentar.

Um comentário:

Ana disse...

Liz, eu não sei muito bem descrever o que acontece comigo que me faz pensar e escrever. Acho que acontece o que você descreve. Não considero o que eu faço um grande feito para a humanidade, mas a vontade que eu tenho de fazer é tanta e me faz tão bem que nem penso no valor que tem pros outros. Muito feliz em ler e ouvir você novamente mesmo distante.