"...pequenas alegrias que nos fazem rir sozinhos quando o iogurte se derrama e você vê o formato de uma tartaruga." |
Sabe aquela sensação de pegar uma
pecinha no mar de pecinhas do quebra-cabeça e encaixar de primeira? Você
aprende uma dobradura nova e finalmente todas as dobras se alinham sem sobrar
nem faltar. Um café fresco numa xícara bonita! Esses dias meu filho João, 2
anos, aprendeu a usar a tesoura, então do nada ele vira pra mim e diz: “mamãe,
quero cortar papel!”. Estamos almoçando,
vendo desenho, brincando lá fora coisas que ele gosta de fazer, mas aí ele se
lembra da tesoura, de como ela encaixa na mão, de como faz um barulhinho e
desliza no papel dividindo-o em dois e então diz: “mamãe, quero cortar papel!”.
Alegria é um tema profundo. Tem
livros escritos sobre ela. Muitos livros. Eu sei disso, mas só quero ressaltar
o fato de que existem alegrias específicas, essa coisa humilde de você
encontrar seu lugar no mundo, de se descobrir, viver bem e conseguir ter
domínio próprio. Eu sei que tem uma alegria mais sublime e profunda, e acredito
que dela emanam pequenas alegrias que nos fazem rir sozinhos quando o iogurte
se derrama e você vê o formato de uma tartaruga. As alegrias específicas são
uma delícia. Parece que cada pessoa tem as suas. Elas tornam o correr da vida
mais agradável, mais possível de ser vivida.
Também queria dizer que por vezes
acho que as pessoas parecem mais fixadas nessas alegrias secundárias que na
raiz, no cerne da coisa. Querem sexo sem casamento (compromisso), querem
delírio sem ter o esforço, é quase como escalar uma montanha de helicóptero e
ficar tirando selfies no topo da paisagem... mmm não é a MESMA coisa. Tomar o
suco é bom, mas ir ao quintal (ou feira) e colher as frutas, selecionar, lavar,
bater, coar, adoçar, então sentar na varandinha e beber um suco, é disso que
estou falando. O suco ganha outra dimensão. Oferecer um suco passa a ser
repartir a vida. Não entendo muito de arvores, mas acho que se alegria fosse uma
planta, seria daquelas espécies que tem a mesma altura pra dentro da terra que
tem pra fora, sabe? Não me leve a mal. Eu amo as alegrias específicas, cordas
novas no violão, um espaço com proporções áureas, comida caseira, dormir de
pijama. Mas também não quero parar por aqui. Quero a alegria profunda da alma
que se solidifica num encontro diário com o Deus criador, um sentimento não
evasivo ou etéreo, mas constante que persiste em meio a dor e tal. Quero então
colher as alegrias específicas do mesmo modo que eu chupo mexerica no quintal
da casa de uma amiga. O ponto central é que eu fui à casa da minha amiga, de
quebra chupei mexerica no quintal, cuspi os caroços no chão sem preocupar,
lavamos as mãos na bica e a conversa seguiu viagem.
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