Tenho acolhido o fato de que me foi concedida a experiência
materna. Essa concessão partiu de mãos divinas e passou por mãos médicas e caiu
nos meus braços como quem abraça um travesseiro de estimação. Eu não sei ainda
compreender toda a profundidade desse fato, mas já entendi que ser mãe é uma
coisa que se instalou na minha identidade. Quem é você? Sou...
Acompanhe meu raciocínio, quando tirei carteira de motorista
obtive um certificado. Eu então pude dirigir perante a lei. Nada mais. Quem sou
eu? Nem toco no assunto de dirigir ou não... Quando graduei em arquitetura foi
uma etapa concluída, um valor agregado ao meu arsenal de habilitações.
Mestrado, idem. E assim, títulos parecem estar num nível distante da
profundidade que é uma identidade. Maternidade não. Nove meses; zero preparo;
não tive que passar testes ou provas, apenas esperei e acompanhei a
transformação um tanto alienígena do meu corpo sendo invadido por outro
serzinho que além de sugar meu oxigênio nasceu com uma caneta permanente na mão
e escreveu na minha testa “mãe”.
Quando faço o caminho inverso e concluo que jamais não serei
mãe, encolho.
Quem sou eu?
A espiritualidade cristã, a qual me embrulha, também fala de
identidade, e, para o meu espanto, ela começa com um nascimento. “Filha”. Deus,
em sua eterna bondade, permite-nos renascer para que tenhamos uma marca
permanente, ‘nascidos’. O nascimento é o momento em que passamos a ser o que
não éramos. Uma semente germinando e rompendo chão. A partir dele somos
costurados à trindade com um laço familiar e irreversível. A partir de então
“quem sou?” muda.
Assim como após o nascimento espiritual, onde eu sou a
filha, após o nascimento físico, onde eu sou a mãe, há um caminho a percorrer.
Algumas coisas acontecem sem muito esforço outras exigem toda a minha
concentração. Como filha de Deus preciso aprender a reconhecer a sua voz dentre
todas as vozes; como mãe, preciso reconhecer o chorinho deles dentre todos os
choros. Como filha, preciso me satisfazer no seu compasso, me abrigar nos seus
conselhos. Como mãe, preciso me contentar em minhas limitações, e fornecer o
abrigo necessário. Em ambos os casos é
uma estrada sem retorno.
Fico me perguntando afinal o que mudou em mim depois que
virei mãe? Aí me pego falando superficialidades. A verdade é que mudou tudo,
mas sem fazer um furacão. Tipo quando você põe uma pitada de canela no molho
sugo. Sem mais nem menos ganhei três letras m-ã-e. Uma concessão literária,
filosófica e existencial. Uma janela que se abriu para um jardim interno e
espaçoso que eu nem sabia estava lá. Ouso dizer que a própria felicidade me deu
um dos seus sorrisos amigo. Estou aqui agradecida, sorrindo de volta.
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