07 março 2017

Sobre pais e filhos


























O menino olha para o pai e vê uma vívida encarnação da fantasia. O craque de bola, o homem mais forte e destemido. “Quando eu crescer”, diz meu João, “serei bem grande igual meu pai, e vou poder usar facas para descascar laranjas.”

A vida tem cursos curiosos. Não é a toada dos rios, nem sempre corre para baixo, nem sempre desemboca no mar. A fantasia, assim como a esperança, são mecanismos válidos – dádivas – para alimentar o contentamento diário. Cada uma tem seu tempo e lugar, a fantasia a agita e alegra, enquanto a esperança é a âncora da alma.

O pai olha para o filho e encontra um mundo de possibilidades em quem nem sabe ainda usar de palavras para se comunicar. Um amor profundo vai se solidificando e a esperança de ver o menino crescer inunda seu corpo. O afeto se dá em gestos corriqueiros de cuidado. O pai olha para o filho e vê uma vívida encarnação da esperança.

Nesse mundo curioso e torto muitos pais não têm filhos e muitos filhos não tem pais. Os olhares ficam vagando no infinito sem se cruzarem. Isso faz do mundo um lugar um pouco mais triste. As fantasias e esperanças invertem posições. O filho tem esperança de saber do pai e o pai fantasia um filho que não conhece.

Aqui em casa tem um pai e dois filhos. Eles se olham constantemente. Davi sente cocegas das barbas de Pedro, João gosta do homem aranha, de caminhões, de milho e do Palmeiras*. Eles se olham. Davi adormece no colo de Pedro, João é levado para cama pelos braços dispostos de quem ama com gestos corriqueiros de cuidado.

– Você sabe correr, mamãe? – pergunta João.
– Sei – respondo.
– Bem rápido?
– Mais ou menos rápido.
– Igual meu papai “Pedu”? Meu papai “Pedu” corre bem rápido, muito, muito rápido, tá bom?
– Tá bom. Agora concentra e faz seu xixi.  


  

*Uma FORTE influência do “papai Pedu”, ainda mais quando é colocado do lado de milho (comida predileta). 

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