O menino olha para o pai e vê uma vívida encarnação da
fantasia. O craque de bola, o homem mais forte e destemido. “Quando eu crescer”,
diz meu João, “serei bem grande igual meu pai, e vou poder usar facas para
descascar laranjas.”
A vida tem cursos curiosos. Não é a toada dos rios, nem
sempre corre para baixo, nem sempre desemboca no mar. A fantasia, assim como a
esperança, são mecanismos válidos – dádivas – para alimentar o contentamento
diário. Cada uma tem seu tempo e lugar, a fantasia a agita e alegra, enquanto a
esperança é a âncora da alma.
O pai olha para o filho e encontra um mundo de possibilidades
em quem nem sabe ainda usar de palavras para se comunicar. Um amor profundo vai
se solidificando e a esperança de ver o menino crescer inunda seu corpo. O
afeto se dá em gestos corriqueiros de cuidado. O pai olha para o filho e vê uma
vívida encarnação da esperança.
Nesse mundo curioso e torto muitos pais não têm filhos e
muitos filhos não tem pais. Os olhares ficam vagando no infinito sem se
cruzarem. Isso faz do mundo um lugar um pouco mais triste. As fantasias e
esperanças invertem posições. O filho tem esperança de saber do pai e o pai fantasia
um filho que não conhece.
Aqui em casa tem um pai e dois filhos. Eles se olham
constantemente. Davi sente cocegas das barbas de Pedro, João gosta do homem
aranha, de caminhões, de milho e do Palmeiras*. Eles se olham. Davi adormece no
colo de Pedro, João é levado para cama pelos braços dispostos de quem ama com
gestos corriqueiros de cuidado.
– Você sabe correr, mamãe? – pergunta João.
– Sei – respondo.
– Bem rápido?
– Mais ou menos rápido.
– Igual meu papai “Pedu”? Meu papai “Pedu” corre bem rápido,
muito, muito rápido, tá bom?
– Tá bom. Agora concentra e faz seu xixi.
*Uma FORTE influência do “papai Pedu”, ainda mais quando é
colocado do lado de milho (comida predileta).