17 setembro 2010

A complexidade da dor


(Esse texto foi escrito a partir de memórias inventadas, mas possíveis. É a minha primeira crônica e espero que gostem, estou pensando um pocuo sobre crônicas e a riqueza maior que conseguem exercer sobre a gente. Escrevi porque estava  preparando-me para uma conversa sobre sofrimento com as meninas do meu grupo de discipulado da UPA elas tiveram reações diversas... Também assistimos esse vídeo que trata do mesmo assunto "ER descobre o engano do pós-modernismo").



Borboletas azuis
 Cedo. Raio de sol rente ao solo. Nascente. Respirava Téo. De Téo muito se esperava. O homem que poderia ser, a mulher que poderia ter. Filhos, histórias. Deitado. Téo trocara as forças por vaidades e sempre que olhava no espelho olhava a própria alma. Acontece que a abateram-lhe atrocidades, caíra-lhe o cabelo e a fronte por demais cansada de tomar na veia remédios fortes a combater a doença. O espelho roubou o brilho dos seus olhos.


Muito se pensava que ele ia ser. Homem, estudado, viril. Muito se sonhava sobre ele, inteligência, esperteza, coragem. Livros. 

– “Levante Téo, já é dia”. A voz doce de Joana, sua irmã mais nova vendo-lhe as fraquezas no simples respirar. Parada. Ao pé da cama. Vestia um pijama claro e fitava pela janela o sol.

– “Nasci e agora morro aos poucos ao invés de viver”. Sempre que lhe mandavam levantar, respondia assim. Áspero e cruel. – “Sai da minha frente, Joana, porque a vida que você tem é injusta aos meus olhos, e a sua beleza tortura-me o dia”.

"Levante Téo"
Muito lhe queria bem, Joana. Muito lhe amava. Mas já se acostumara com tamanho rancor de alma nítido no olhar e na voz de seu Irmão. Era-lhe, ainda assim, formoso. Claro, alto, olhos fundos. Sua fraqueza de corpo tornou-lhe duro de espírito e impenetrável de tanto sentir-se injustiçado. Seus sentimentos eram complexos porque sabia da sua condição de amaldiçoado pelo destino, mas não conseguia por um instante negar a beleza da vida em si, ainda que quisesse por muitas vezes morrer de tanta frustração. Ele mesmo esperava de si, mas a morte por certa que fosse a todos, era-lhe ainda mais exata. A cada respirada era lembrado disso pela dor que sentia nos pulmões.

Téo agora estava acordado mesmo não querendo estar. Percebia-se a si mesmo, e se contorcia internamente por querer ser terno. Já havia abandonado a ternura há muito e agora lhe restava torturar os outros com sua aspereza e displicência. Joana passou a olhar para ele. Olhava e via-lhe. Sabia que em breve não o veria mais.

Joana
–“Será que você não quer tomar um café? Depois ir comigo até o quintal procurar borboletas? O Andrade disse que outono é época de borboletas azuis lá perto das hortênsias da mamãe. Vamos?” Disse Joana confiante, Téo sempre lhe incentivava passeios pelo quintal a procura de insetos. Em seu quarto uma parede inteira deles alfinetados e catalogados, em português e latim. Acontece que amanhecera triste, e por não querer demonstrar sua tristeza fez-se de bruto. Ainda mais, o Andrade sempre inventava essa de ter vistos insetos para fazê-lo sair da cama.
 
– “Vá embora. Já lhe disse que ver você é suficiente para estragar o meu dia!”. Mentira. Joana normalmente lhe alegrava com sua atenciosidade. Apesar de nova, conhecia dele o sofrimento e não desprezava sua raiva por causa da dor. O fato de Joana o compreender lhe trazia conforto. Ser compreendido lhe dava uma sensação de valor que nenhuma outra coisa podia lhe dar.

–“Bem, se você mudar de idéia, bate o sino que venho te buscar”. Sem se incomodar muito com a dureza das palavras de Téo, Joana deixa-o. Quando parada, olhava para ele, vira sua tristeza. E dela teve a certeza de que Téo precisava mesmo ficar só.

"Mas, detido em si mesmo..."

Era cedo. Cedo demais para morrer. Cedo pra terminar a vida. Jovem. Expectativas. Ansiedades.  Mas a força lhe fora arrancada e a fragilidade exposta a cada movimento. Piscava os olhos. Por dentro queria gritar, pedir ajuda. Silêncio. Uma gratidão estranha não lhe permitia rejeitar tudo. Agradecia a cama, o cobertor. Da janela agradecia a paisagem e sua gratidão lhe tirava a raiva tão cultivada por ele. A raiva era a o único sentimento que lhe cabia, pensava. Mas sentia mesmo era alegria em meio a dor. ”Joana”’, pensava, “vamos procurar borboletas azuis?”. Mas, detido em si mesmo, virou para o lado e ficou.

águas petrificantes do caraça


A luz do sol bate nas pedras cor de ouro e sobe pela água dando esse tom amarelado vivo, até parece que aquece, mas não. As águas do Caraça são geladas, petrificantes e qualquer pedra que aponta no meio do rio vira refúgio ao mergulhador que por minutos espera a coragem chegar.

15 setembro 2010

poeminha (número três)

(tinta óleo e grafite sobre papel de aquarela #4, esse desenho/pintura é o que está vencendo na lista 'as pessoas mais gostaram' talvez por ser o mais multi-colorido.. viva o expressionismo! A cada dia surge uma pintura nova por aqui, eita cenário vivo a sala da minha casa!)


Quem é, é
Se temos consciência de fato somos
Pensar nos faz saber que somos
Amar nos faz sentir que somos
Viver é reconhecer absolutos
Ser é! 

* em Êxodos, estava lá Moisés perguntando pro criador, "se me perguntarem quem me enviou, o que eu respondo?", "diga apenas que EU SOU, EU SOU te enviou"... ser é portanto a coisa mais preciosa que temos. Porque somos os que mais são em todo o cosmos, ninguém é tanto quanto nós somos, e ninguém ou melhor nada sabe-se ser como nós sabemos..que complexidade.. apenas o criador entende isso porque acima de tudo e de maneira atemporal e autônoma ele É 

01 setembro 2010

Você chegar



 (tinta óleo e grafite sobre papel de aquarela #3 - esse desenho tava ali, na sala apoiado no cavalete.. Lucas Rolim sentou no sofá tirou o caderno e lápis da mochila e falou "liz, bora fazer uma música, vamos começar com esse desenho seu "tom de azul..?"... nasceu)

Tom de azul e vermelho a pintar
Picasso
Eu vou de pinceladas
Eu sou, mas não sou nada até você chegar

Veja lá meu mar é de morros, meu bem
E até Mondrian invejaria
Sinuosa ondaria que eu vi lá do meu quintal

Por favor, faça para mim rabiscos seus
Tô querendo te encontrar
Nos seus traços, abraços

Palavras são pequenas, eu sei
Noites são serenas, eu sei
Até você chegar eu pintei.