(Esse texto foi escrito a partir de memórias inventadas, mas possíveis. É a minha primeira crônica e espero que gostem, estou pensando um pocuo sobre crônicas e a riqueza maior que conseguem exercer sobre a gente. Escrevi porque estava preparando-me para uma conversa sobre sofrimento com as meninas do meu grupo de discipulado da UPAelas tiveram reações diversas... Também assistimos esse vídeo que trata do mesmo assunto "ER descobre o engano do pós-modernismo").
Borboletas azuis
Cedo. Raio de sol rente ao solo. Nascente. Respirava Téo. De Téo muito se esperava. O homem que poderia ser, a mulher que poderia ter. Filhos, histórias. Deitado. Téo trocara as forças por vaidades e sempre que olhava no espelho olhava a própria alma. Acontece que a abateram-lhe atrocidades, caíra-lhe o cabelo e a fronte por demais cansada de tomar na veia remédios fortes a combater a doença. O espelho roubou o brilho dos seus olhos.
Muito se pensava que ele ia ser. Homem, estudado, viril. Muito se sonhava sobre ele, inteligência, esperteza, coragem. Livros.
– “Levante Téo, já é dia”. A voz doce de Joana, sua irmã mais nova vendo-lhe as fraquezas no simples respirar. Parada. Ao pé da cama. Vestia um pijama claro e fitava pela janela o sol.
– “Nasci e agora morro aos poucos ao invés de viver”. Sempre que lhe mandavam levantar, respondia assim. Áspero e cruel. – “Sai da minha frente, Joana, porque a vida que você tem é injusta aos meus olhos, e a sua beleza tortura-me o dia”.
"Levante Téo"
Muito lhe queria bem, Joana. Muito lhe amava. Mas já se acostumara com tamanho rancor de alma nítido no olhar e na voz de seu Irmão. Era-lhe, ainda assim, formoso. Claro, alto, olhos fundos. Sua fraqueza de corpo tornou-lhe duro de espírito e impenetrável de tanto sentir-se injustiçado. Seus sentimentos eram complexos porque sabia da sua condição de amaldiçoado pelo destino, mas não conseguia por um instante negar a beleza da vida em si, ainda que quisesse por muitas vezes morrer de tanta frustração. Ele mesmo esperava de si, mas a morte por certa que fosse a todos, era-lhe ainda mais exata. A cada respirada era lembrado disso pela dor que sentia nos pulmões.
Téo agora estava acordado mesmo não querendo estar. Percebia-se a si mesmo, e se contorcia internamente por querer ser terno. Já havia abandonado a ternura há muito e agora lhe restava torturar os outros com sua aspereza e displicência. Joana passou a olhar para ele. Olhava e via-lhe. Sabia que em breve não o veria mais.
Joana
–“Será que você não quer tomar um café? Depois ir comigo até o quintal procurar borboletas? O Andrade disse que outono é época de borboletas azuis lá perto das hortênsias da mamãe. Vamos?” Disse Joana confiante, Téo sempre lhe incentivava passeios pelo quintal a procura de insetos. Em seu quarto uma parede inteira deles alfinetados e catalogados, em português e latim. Acontece que amanhecera triste, e por não querer demonstrar sua tristeza fez-se de bruto. Ainda mais, o Andrade sempre inventava essa de ter vistos insetos para fazê-lo sair da cama.
– “Vá embora. Já lhe disse que ver você é suficiente para estragar o meu dia!”. Mentira. Joana normalmente lhe alegrava com sua atenciosidade. Apesar de nova, conhecia dele o sofrimento e não desprezava sua raiva por causa da dor. O fato de Joana o compreender lhe trazia conforto. Ser compreendido lhe dava uma sensação de valor que nenhuma outra coisa podia lhe dar.
–“Bem, se você mudar de idéia, bate o sino que venho te buscar”. Sem se incomodar muito com a dureza das palavras de Téo, Joana deixa-o. Quando parada, olhava para ele, vira sua tristeza. E dela teve a certeza de que Téo precisava mesmo ficar só.
"Mas, detido em si mesmo..."
Era cedo. Cedo demais para morrer. Cedo pra terminar a vida. Jovem. Expectativas. Ansiedades. Mas a força lhe fora arrancada e a fragilidade exposta a cada movimento. Piscava os olhos. Por dentro queria gritar, pedir ajuda. Silêncio. Uma gratidão estranha não lhe permitia rejeitar tudo. Agradecia a cama, o cobertor. Da janela agradecia a paisagem e sua gratidão lhe tirava a raiva tão cultivada por ele. A raiva era a o único sentimento que lhe cabia, pensava. Mas sentia mesmo era alegria em meio a dor. ”Joana”’, pensava, “vamos procurar borboletas azuis?”. Mas, detido em si mesmo, virou para o lado e ficou.
A luz do sol bate nas pedras cor de ouro e sobe pela água dando esse tom amarelado vivo, até parece que aquece, mas não. As águas do Caraça são geladas, petrificantes e qualquer pedra que aponta no meio do rio vira refúgio ao mergulhador que por minutos espera a coragem chegar.