21 abril 2012

Homem Minas

"O mundo vasto, com tantas pessoas, pés e
chinelos com detalhes azuis,
 tem um homem que em seu coração busca sossego."
Ele levanta primeiro, põe água pra esquentar na chaleira e sai. Minutos depois a cama esfria pela sua ausência, fica desconfortável. Ele caminha de chinelo sem tocar os pés na terra, vê o dia, toca o coração naquele lugar. O dia olha pra ele também, mas sem tocá-lo porque há uma borracha entre ele a terra, seu chinelo de detalhes azuis.

O homem de chinelo com detalhes azuis que deixou a chaleira no fogo e agora vê o dia, é visto de volta. Inteireza. Respiração. Tudo está em seu devido lugar, nada se toca, nem mesmo o pé na terra por causa da borracha do chinelo. Minto. O coração dele toca profundamente. O coração aquecido junto com a água na chaleira, deixado por ele por ter levantado primeiro, toca naquele lugar.
A vida é tão pequena e tão grandiosa num só momento. O coração toca mesmo tendo os pés separados da terra por um chinelo. Aquele homem não diz nada. Nem mesmo faz barulho, ele caminha sem fazer o mínimo barulho. É um dia qualquer, e como sempre ele levantou primeiro.
Antes que o silencio seja quebrado pelo pio da chaleira ele cerra o fogo. Agora sim. Som. Som da água coando o café. Cheiro. O homem calado, que deixou desconfortável e fria a cama por ter levantado e calçado chinelos com detalhes azuis, espera a água quente coar um punhado de café. Dentro de casa o dia não olha mais para ele senão pela frestinha da porta. Seu coração toca naquele momento uma canção antiga “sossegai, sossegai”.  Ele não diz nada. O grito é no silencio. Enquanto ele espera o punhado de café ser coado, enquanto não faz nem um pio sequer mesmo tendo levantado primeiro e colocado chinelos com solas de borracha, enquanto ele toca seu coração naquele lugar, o homem relembra o seu lugar no mundo.

O mundo vasto, com tantas pessoas, pés e chinelos com detalhes azuis, tem um homem que em seu coração busca sossego. O mundo agitado e barulhento tem um homem, que como sempre levanta primeiro e põe água pra esquentar sem acrescentar um pio. O mundo real e cheio de significados tem um homem que toca seu coração naquele lugar. Enquanto a água quente côa um punhado de café, no  mesmo mundo um homem que deixou a cama fria e desconfortável agora se vê e com a sua alma conversa lembrando uma canção antiga.

Nada está fora do lugar. Nem mesmo o menor detalhe. Tudo está como sempre. Silencio respiração, e um coração que toca naquele lugar e canta uma canção que diz “sossegai”.

Um comentário:

Paulo Freitas disse...

Quando o silêncio diz tanto, é impossível não se sentir tão humano. Belas manhãs!