No final da rua esperam ansioso os meninos por descerem a
rampa e encontrarem a turma. Por volta das 9h00 é o tempo áureo do dia onde
todos os pequenos do bairro se encontram para nos conduzirem por um mundo que
apenas deixa saudades. Espadas feitas de gravetos, carros feitos de pedras e até
mesmo câmeras fotográficas feitas de tampinhas de plástico. Nesse mundo não tem
rico nem pobre, apenas aventuras. Os mais velhos (dois e três anos) dirigem um
carro que logo vira barco, sentados num banco (tora de madeira) no meio da
floresta (jardim do vizinho) e desviam de leões (postes), ursos (irmãos mais
novos) e monstros (carrinho de bebê). Tudo vira tudo.
Logo que saem o silêncio abriga a casa.
No final da rua o menino de dois anos sobe a rampa chorando.
Sono. Por volta das 10h30 o tempo se fecha junto com os olhos dos pequenos. Lavar as mãos pode ser um enorme desafio para
a mãe que tenta administrar a irritação e cansaço de dois. Por que é tão mais
prazeroso descer a rampa? Por que subir também se faz necessário e parte de uma
rotina que se estende para além de meninos, mundos e sonos? Descer a rampa
significa começo, expectativa. Subir a rampa significa pausar.
Logo que dormem o silencio abriga a casa.
Que horas são em minha vida? São 10h30, hora da pausa. Ser autônoma, artista, e mãe de dois
significa pausar. Pausar é diferente de parar. Parar é por volta das 20h quando
após o banho dormem até o dia seguinte. Parar seria desistir de produzir
música, espaço, poesia; mas, pausar significa poder continuar a fazer tudo
isso, só que depois.
Depois.
- Mãe, posso ver desenho?
- Depois.
- Mãe, pode nadar na piscina grande?
- Depois.
- Mãe, um dia posso usar facas?
- Sim, um dia...
Depois.
- Senhor, posso voltar a compor e tocar?
- Depois.
- Deus, posso melhorar a minha arte e fazer o que eu amo?
- Depois.
- Pai, um dia posso escrever algo relevante?
- Sim, Liz, um dia...