Ele está chorando de cansaço, mas precisa desse banho para dormir melhor. Enxugo. Visto a roupa com dificuldade nessa pessoinha relutante. Vejo-o adormecer, então torno à minha tarefa seguinte: guardar as coisas.
Juntando os brinquedos na sala, pego-me juntando as definições das palavras. Organizo o espaço vazio e na mente tento guardar as coisas em termos objetivos e práticos. Faço disso uma brincadeira e procuro sedimentar o meu coração com as conclusões
porque na hora do aperto é sempre bom já ter as pedras organizadas. Na hora da
enxurrada é bom já ter um arrimo emocional.
“Desejo = algo que precisa ser adestrado”
“Coragem = fazer o que precisa ser feito”
Amor?
Passo a refletir nos clichês e nos ditados populares. Essas
coisas perduram décadas, sem dúvida têm algum valor. Minha avó carinhosamente dizia que “o amor é uma flor roxa, que
nasce no coração do trouxa”. É um exercício meio engraçado querer definir as coisas. Rio
um pouco de mim mesma, mas não me impeço de prosseguir. Mergulho abertamente
no desejo de querer acertar. O que é amar? O que é o amor? Jesus nos deu uma
tarefa “amem-se uns aos outros como eu vos amei”.
Minha bisavó seriamente dizia que “amar é ceder”.
Enquanto os termos estão vagando distantes numa tentativa cósmica de abraçar o
mundo, eles parecem também um pouco imaginários. Como uma sala de brinquedos vagantes pelo chão formando jograis de poemas dadaístas. Hollywood sempre me ensinou
que “amar é sentir”. Sentir. Essa coisa vaga e absurdamente confusa que nos atinge
em correntezas. Sentir, essa força inquieta e insaciável, fluida e
inconstante. Acredito que sentimentos são componentes de todas as palavras, mas
amar é mais do que sentir. Sentir não dá banho na criança cansada, não segura um
casamento em crise, não troca fraldas, não contém as enxurradas da vida. Minha
bisa é mais palpável “ceder”, reclinar-se em favor de alguém.
O velho livro afirma “quem não ama não conhece a
Deus, pois Deus é amor”.
Ceder é uma boa palavra, mas também não diz tudo. O velho
livro acrescenta algo a mais: conhecer. Não-amar é desconhecer, logo para amar
é imprescindível conhecer, conhecer a Deus.
Acabo de pensar numa coisa boba: não é preciso gostar,
apenas amar. Ceder e conhecer são coisas possíveis de serem feitas mesmo sem
gostar. Claro que gostar facilita muito. Gostando, os desejos precisam ser menos
adestrados pois fluem naturalmente na direção certa. Amar gostando exige
menos coragem.
Outra pausa para rir. Quanta simplicidade! E eu aqui
reinventando a roda. “[...]como eu
vos amei”. Ora, Jesus, meu guia, traçou o caminho. Mesmo não querendo, bebeu
do cálice. Mesmo não gostando, suspirou o suspiro amargo. Depois dessa parece um pouco patética a minha comparação com juntar brinquedos na sala, mas é essa a minha saga de hoje, guardar, organizar, repetir, refazer.
Trago minha pergunta sobre amor para o meu dia a dia. Logo percebo que demonstrar amor é muito mais pequenas atitudes de cuidado do que palavras
afetuosas ou sentimentos. A soma dessas atitudes de alguma forma solidifica
em mim um sentimento cósmico de abraçar o mundo do outro. De querer o bem dele. Mas em suma são apenas
pequenas tarefas de juntar objetos coloridos, um instante de cada vez.
Ele estava chorando de cansaço, mas agora dorme silencioso enquanto escrevo no computador.
“Amor = uma tarefa”.