muito do incômodo se silenciou
muito do silêncio se repetiu
muito da repetição se afogou
muito do afogamento se aprofundou
muito da profundidade se perdeu
muito da perda deixou saudades
como um finco
não consigo fugir das memórias
das conversas, das queixas
dos choros, das histórias
“os lutos, não podem ser esquecidos por ninguém”
o choro volta como um vulto dentro de mim
e se expõe
agora o sofrimento está em nós
sofremos
a morte é amarga para os que ficam
ainda mais porque ele era amigo presente
as ultimas palavras do Lelê pra mim:
“que bom que você veio aqui, Deus te abençoe no teatro”
dei-lhe um beijo na testa
naquele quarto daquele hospital
É muito difícil perder um amigo.
É muito difícil.
Uma dor que sinto nas juntas.
Um lamento que não tem consolo nem solução.
Um lamento profundo e impotente.
Eu não posso mais dizer que “nunca senti na pele a dor gemida” porque escrevo entre gemidos, entre fôlegos pesados.
Eis “uma perda próxima demais”.
Um lamento insistente e eu sei que permanecerá por muito tempo ainda.
Queria registrar algumas cenas marcantes:
- Ver os amigos carregando o caixão
- Ver a igreja tão cheia, quando os jovens foram à frente para cantar não couberam e encheram os corredores laterais do templo
- Conseguir falar segurando o choro
- Ouvir a Jamille e o Daniel falarem
- Jony – “se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos”
- “se paz a mais doce me deres gozar, se dor a mais forte sofrer...”
- assistir o pedreiro fechar o túmulo
- voltar pra casa no carro em silencio
Temos que fazer valer a pena!
Eu tenho que fazer valer a pena.
O que mais me consola? - Perceber no choro e na expressão de alguns amigos a mesma tristeza que eu sinto. - Lembrar das nossas conversas.. “liz.. é muito bom que você veio aqui sabia?” ..” liz, dá pra você passar aqui na sexta a tarde?”, “aqui, lê aquele texto lá de novo.. “ (2Cor4...) ... “esse câncer não é para a morte, mas para a glória de Deus” ...
então percebo na amplitude dos vocábulos discretos
um apego ao íntimo e inibido
o tempo se desmanchando em preguiças e frustrações
em diálogos comigo mesma
nas leituras que afirmam a Sua presença constante
na ingenuidade dos pensamentos secretos
um aspecto leal
e proibido
quanto mais te vejo, mais me vejo
se te visse mais certamente eu seria menor
ensina-me a morrer
debruçar sob tuas verdades e morrer para mim mesma
quero trazer no meu corpo as marcas da presença maravilhosa de Jesus
que o meu “eu” seja degolado pelo Teu Espírito
que este seja em mim evidente
agenda, lembretes, anéis e cutícula
meus dedos sobre o teclado
minhas mãos não estão manchadas
expresso, espanto, canto e manifesto
minhas mãos me são úteis
sinalizam quando necessário
sujas, estranhas e desproporcionais
pintinhas, calos, ligadas ao meu pulso
minhas mãos pulsam
as vezes me explicam
melhores do que minhas palavras
todas as coisas são difíceis, já dizia o Eclesiastes
e os homens não conseguem explicar nenhuma delas
(Vulgate) cunctae res difficiles non potest eas homo explicare sermone non saturatur oculus visu nec auris impletur auditu
nem os ouvidos se enchem de ouvir
disponho, pois, o meu coração a perscrutar a Palavra do Senhor
só assim serei livre
o sábio interprete interpreta em ações
não em palavras apenas
muitas vezes eu queria não ser tão desentendida
eu não deveria agir com tanta ingenuidade
não condiz com a minha cara
sou uma estranha mesmo
meus olhos castanhos acompanhavam sua voz tremula
minha pele parda expunha um olhar tímido
desnudo e verdadeiramente triste
sua timidez me constrangeu a ouvir em quietude
seus silêncios fizeram minhas pernas se sentirem fracas
de alguma forma eu sempre sou assim:
um pouco fraca e um pouco confusa
onde estão os preceitos que eu outrora aprendi?
por que não se encontram tão evidentes?
.
se chorei? mas, pelo menos fui sincera.
rasgai-vos a voz
vinde chorai
arrependei-vos
fazei soar o vosso pranto
vinde provai
e reconhecei
benditos vós
que chorais
que sereis consolados
vós humildes
que esperais firmes
no Senhor
sempre fortes
perseverantes
nunca sós
rasgai-vos a voz
vinde chorai
arrependei-vos
fazei soar o vosso pranto
vinde provai
e reconhecei
enquanto há tempo
enquanto é dia
enquanto há vida